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Dancinhas Tiktokzadas são os fast-foods da dança. Então, coma com moderação!

Atualizado: 7 de jul. de 2022


Se tem algo que sempre funcionou dentro do mundo pop é a combinação de música e coreografia. E quando se trata de engajamento e repercussão midiática, a plataforma TikTok é o carro-chefe dessa receita.

“A lógica é explicada pela artista Doja Cat, que já garantiu oito músicas virais na plataforma — seis têm, no mínimo, 1 milhão de replicações cada uma —, se vale de uma receita que traduz bem como funciona o TikTok: letras bem pronunciadas e repetitivas, fáceis de serem entendidas pelo público, até por aqueles que não falam inglês. As expressões e danças feitas nos vídeos devem traduzir aquilo que está sendo dito, usando principalmente as mãos e ângulos da cintura para cima. Outros artistas, quando não emplacam naturalmente como Doja Cat, forçam as dancinhas publicando compilados das produções dos fãs com sua música até que aquilo se torne de alguma forma um viral. O sucesso é igualmente rentável.” Extraído da reportagem: “Com o combo dança e música, TikTok já revoluciona a indústria fonográfica”. Fonte: Exame

O TikTok é um aplicativo de vídeos curtos que tem como maior diferencial sua ferramenta de replicação de áudio. Os usuários podem ter seu som reutilizado por qualquer um. Assim, artistas criam danças, refrãos cativantes e apostam no algoritmo da plataforma para que sua música seja a viral da vez. Do mesmo modo, todo esse aparato estratégico de produção e consumo de música e dança, constrói a homogeneização, o nivelamento por baixo e a repetição das mesmas com formatos unificados. De outro viés, proporciona também momentos de fruição, prazer estético e, também, por que não, um escape descompromissado da vida cotidiana.

VELOCIDADE ACELERADA A Velocidade é a palavra de ordem do momento atual, não dá tempo para lembrar do nome da música que tocou, do artista que cantou, da dança que rolou, logo em seguida já chega outro e mais outro, tornando a arte pop cada vez mais descartável e atrelada cada vez mais a uma ideia de que o novo é sempre o melhor, chegamos a um ponto de achar que uma música de um mês atrás já é velha e ultrapassada. Por sua vez, a criatividade está entrando em um colapso do ritmo hipnótico. São criações automatizadas, cada vez mais barulhentas, curtas, com rimas infames e mensagens da profundidade de um pires. Lembrem o que a Doja Cat falou? ” ...letras bem pronunciadas e repetitivas, fáceis de serem entendidas pelo público, até por aqueles que não falam inglês.” As danças desse mundo TikTok são acriançadas, de baixa energia, bobinhas, as vezes pornográficas até, um tanto irônicas, ginásticas, com expressões faciais forçadas e estereotipadas, curtas, diretas ao ponto. Buscam passar a ideia de tranquilidade, de “tô em casa, tranquilão e numa boa”. O baixo nível técnico geral é evidente, o que abre espaço para todos, de qualquer tribo, pois é de fácil consumo, onde todos podem se divertir e fazer a suas dancinhas. Isso se potencializou após a Pandemia – as pessoas isoladas pelo LOCKDOWN viram nas dancinhas tiktokzadas uma maneira divertida de passar o tempo, o tédio, criando um efeito MANADA que viralizou no mundo digital. Ao mesmo tempo, caiu nas graças dos produtores das músicas pop, tornou-se algo quase obrigatório para fazer sucesso hoje em dia. E é aí que entra a aceleração na produção, a velocidade além dos limites para rapidamente Hitar: quando o conteúdo faz muito sucesso e não Flopar: quando o vídeo entra na fyp e não faz sucesso. E assim, se criam também os Challenges: desafios criados em vídeos que estão trending. Sim, é só uma brincadeira, mas que pode virar uma brincadeira séria também buscando mercado, virando negócios lucrativos para os artistas da música e da dança. Só que a VELOCIDADE dá muita quantidade e baixa qualidade, causa acidentes, confusões e ansiedade. Nos tira a capacidade de refletir, de dialogar e entender realmente o que estamos fazendo. Nos dando uma falsa sensação de controle de tudo. Mas não é o que acontece! São 15s, 30s no máximo para dar o recado. A dança não pode demorar muito pra começar, não dá pra ficar só curtindo; a música tem que começar direto no refrão, não há espaço para ter um pensamento mais profundo, porque não temos paciência pra ouvir, para ver, para ler. Só queremos ter uma dose de prazer rápida, uma distração para enfrentar essa realidade dura e já partir pra mais outro shot de prazer e divertimento. Criar nessa lógica acelerada é mecânico, cheio de clichês e obviedades, o tempo todo a busca é uma só: chamar a atenção da audiência e ganhar engajamento. E isso nos vicia em um estilo estético da velocidade, falta de paciência, pressa na forma de ouvir músicas, dançar e criar arte. Toda essa homogeneização cultural faz com que os veículos mais privilegiados sejam o sistema dos meios de comunicação de massa, as empresas e suas marcas que patrocinam e levam a sua mensagem cada vez mais longe.

FAST-DANCE = FAST-FOOD Quero separar o joio do trigo, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa! Vou chamar essas dancinhas tiktokzadas de FAST-DANCE pelos seguintes motivos, fast-food: são saborosos, cheirosos, são ricos em gordura saturadas, açúcar, com aparência atrativa, cheios de aditivos - são rápidos, ágeis no preparo, te saciam e te dão a noção de que você está alimentado rapidamente. Já ouvi falar que não são alimentos e sim elementos. As vantagens do fast-food são tempo e energia. São as mesmas vantagens da Fast-Dance. Assim como os alimentos fast-food, o fast-dance te poupa tempo, por que você cria ou copia, filma e posta em minutos, assim como as fast-foods as fast-dance te dão retorno imediato com as curtidas e os engajamentos; assim como as fast-foods as fast-dance te viciam na velocidade e no gosto, na sensação rápida e pulverizada. As fast-food podem te dar muito conforto e as fast-dance podem também te dar conforto na solidão, não tem muito desgaste (olha como foi na pandemia). O que me preocupa mesmo é o excesso. Imagina como ficaria a sua saúde comendo só fast-food? Comidas pobres em vitaminas, minerais e fibras? E, imagina como ficaria a sua dança, sua criatividade e sua relação com a expressão do seu corpo, sua forma de se movimentar, sua saúde física e a sua forma de interagir com os outros só dançando FAST-DANCE? A resposta para isso é baixa qualidade técnica, banalização da dança, falta de profundidade, sem identidade, descartável, menor ou seja como todo mundo já fala de forma carinhosa, mas também pejorativa - uma “dancinha”. O problema é que muitos defensores adoram dizer que ela é uma dança democrática, e que todo mundo tem acesso, como se todo mundo tivesse internet de alta qualidade e um iPhone de última geração para participar do game também. A outra são os desavisados acharem que tudo é dancinha. É a isso que me refiro. É a mesma coisa que achar que: aquele Dogão com duas salsichas que não sabemos a procedência ali do Zé da esquina é igual a comida do chef de cozinha em um restaurante. Sinceramente, vamos separar e colocar as coisas nos seus devidos lugares. Dancinhas Tiktokzadas são o cachorro quente da esquina, o humbúrguer com batata frita, são gostosos, mas uma brincadeirinha de dança divertida e passageira e tem a sua função como já vimos. A dança trabalhada com técnica, fundamentos em sala de aula e nos palcos, com professores capacitados e estrutura representam algo muito maior artisticamente. Tudo é dança, mas os resultados são bem diferentes, não dá pra colocar no mesmo saco. Outro dia me perguntaram sobre aula de dança de TikTok. ESPANTO, não pela pergunta, mas porque de certa forma uma parcela da população quer dançar algo fácil, sem compromisso, dedicação, reflexão, superação, interação. Pois dá muito trabalho, ali no controle do smartphone a pessoa não erra, não fracassa, coloco efeitos, filtros, brilhos. Tudo fica mais lindo do que no presencial. Afinal de contas é só uma dancinha mesmo, vou ali danço e jogo fora. Pois é, pelo jeito tem uma galera que tá preferindo comer mal, dançar mal? Eu observo o lugar comum de quem grava um vídeo de TikTok com aquelas expressões faciais exageradas chamando a atenção como se fosse alguém que tivesse morrendo afogado, dizendo: “olha aqui pra mim agora, me salva, não rola o feed não”! A ideia é chamar a atenção, sinalizar de forma quase desesperada. Outro ponto é que é uma dança que não tem compromisso algum com nada, não tem posicionamento crítico, apesar de que muitos vão dizer que sim. Ela não discute nada, ela só mostra o sintoma do mundo rápido em que vivemos.

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1 Comment


Carol Pogliessi
Carol Pogliessi
Jul 16, 2022

Fiquei pensando que falaram isso dos Beatles, as músicas eram curtas de dois minutos hehe. E hoje chegamos a 15s! Perfeita comparação Marco. a gente pode comer hambúrguer, mas não vive disso. Então não dá pra estar alheio a realidade, às tendências, mas também é preciso problematizar. E tu problematizou lindamente!

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